segunda-feira, 3 de junho de 2013

Novo celular na 5ª série

Será que ele vai demorar a chegar? Tem muita gente aqui. 

Será que é ele? Parece estar esperando por alguém também. Ah, ele encontrou quem esperava, e não era eu.

E aquele? Nah, muito branco. As mãos dele não se parecem com a que aparecia nas fotos.

E ele? Nah, muito negro. E tem muito poucos pelos nas mãos para ser ele.

E aquele ali? Estatura média, parece com o pouco que vi nas fotos. Parece simpático. Não. Foi falar com outra pessoa.

E ele? Bonitão. Charmoso. Tomara que seja ele. Ah. Ficou ali por uns minutos e foi embora.

De repente, alguém me chama. É ele! Finalmente! É ele. Parece legal. Espero que as fotos não tenham sido enganosas.

— Olá. Você é o Paulo?

— Sou. Você é a Maiza?

— Sim. Posso ver?

— Pode, mas assim, aqui no metrô, com toda essa gente passando?

— Sim. Quero ver agora.

— OK.

— Hmm. As fotos não mentiram.

— Pois é. Vai querer?

— Sim. Posso mexer?

— Claro, à vontade. Aperta aqui, ó.

— Aqui? Ah, sim. Meu Deus, maravilha.

— Pois é. Vai querer mesmo? Estou cobrando barato.

— Quase certeza que sim. É Android 4.2 mesmo, né?

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Abraço

— Posso te dar um abraço?
— Claro que pode. Mas por que isso de repente?
— Porque, se você morrer antes de mim, eu não quero abraçar a grama com arrependimento por não ter te abraçado agora.

sábado, 29 de outubro de 2011

Aposta

(…)
― Notei que ultimamente você tem pensado muito ― para não dizer excessivamente ― na morte e na existência em geral.
― Sim, é um exercício interessante, apesar de nem sempre ser agradável. Na verdade, é bem raro não ser espinhoso.
― Por que não para, então?
― Já tentei, mas acho que não consigo. Tenho a sensação de que estou negligenciando alguma coisa de suma importância, quando tento viver sem refletir sobre essas coisas. Além do mais, acho que a longo prazo pode ser bom.
― Como assim?
― Tenho a impressão de que a maioria das pessoas só vai pensar seriamente na morte e nas questões adjacentes quando já está no fim da vida. Estou apostando que pensar nisso agora vai ser uma ajuda para eu me situar nas atividades humanas e entender o significado das minhas ações dentro delas.
― E se você perder essa aposta?
― Se eu perder, o que terei será uma vida inteira turvada por uma mente cheia de raciocínios tortuosos e ineficazes.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Somos alimento

― Que bichinhos interessantes. O que são?
― Artêmias. São crustáceos primitivos.
― Por que comprou?
― Estou fazendo um patê para dar de alimento aos meus peixes. Elas entram na mistura por último, ainda vivas.
― Você não sente pena ao matá-las só para que sirvam de alimento?
― E você acha que todos morremos para alguma outra coisa?

quinta-feira, 2 de junho de 2011

O futuro

(…)
― É engraçado a gente pensar isso de nascer, viver e morrer, né?
― Como assim?
― Bem, é no mínimo curioso que nós existamos, razoavelmente conscientes do mundo, e não consigamos encontrar um porquê para tudo isso. É quase como se nós fôssemos "presenteados" com a oportunidade de pensar o mundo sob o preço de saber que um dia morreremos e perderemos essa consciência.
― Vejo esse período de "produtividade" como algo que fazemos para o futuro, e não consigo não pensar no George Orwell a esse respeito.
― Por que Orwell, especificamente?
― Porque ele escreveu 1984 pressuroso para concluir o romance antes da morte. Ele finalizou o texto ciente de que não viveria para ver as considerações a respeito dele que viriam nas semanas, anos e décadas seguintes à sua publicação. Da mesma forma, nós, que produzimos o que quer que seja, o fazemos em um determinado contexto, conscientes ou não de que seremos criticados e "superados" um dia. "Nós somos os mortos", como o próprio Orwell coloca nas palavras do herói, porque jamais chegaremos a ver tudo que será alicerçado ou associado ao que fazemos e pensamos.
― Então você acha que, no fundo, a gente existe para as gerações futuras?
― Sim. Como os helênicos ainda são discutidos mais de dois milênios após o seu apogeu, nós seremos discutidos, estudados e deixados para trás (no sentido  histórico, sendo inseridos num determinado contexto e lembrados como referências "a serem pensadas"). Devido às mudanças do ponto de vista epistemológico, o que se faz e fala num determinado período tem potencialmente infinitas interpretações futuras. As conseqüências do que produzimos possuem uma ínfima fração dentro do nosso próprio período de vida. Somos, em essência, futuros seres históricos.

domingo, 8 de maio de 2011

O medo de morrer

― A última coisa que eu quero sentir é medo: medo da morte e medo do futuro. O medo da morte é o sentimento de encarar o fim, e o medo do futuro é o medo do que será das coisas que eu vou deixar no mundo.
― Mas isso parece deprimente. Por que não esperar uma morte com algum conforto e segurança?
― Sentir medo do fim deve significar, de certa forma, que eu tenho algum apego pela vida; e sentir medo do futuro significaria que eu tive capacidade de começar a produzir coisas novas, ao invés de simplesmente ficar na apatia esperando a morte. Afinal, é um grande conforto diante do fim.

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Detalhes

— Por que você passa tanto tempo observando esse seu aquário?
— Porque me encanta como um sistema tão pequeno, montado por mim, é capaz de me mostrar algo novo todos os dias. Cada dia eu noto um traço de comportamento dos peixes, do desenvolvimento das plantas, do equilíbrio biológico; algo que estava lá e que eu não havia notado, ou que vai mudando aos poucos. Aliás, acho que isso acontece com quase tudo que é familiar.
— Como assim?
— Pode notar que as coisas mais familiares pra nós são, normalmente, aquelas a que a gente presta menos atenção. Me diverte ver como cada releitura traz à luz algum detalhe que antes passara despercebido.