terça-feira, 14 de junho de 2011

Somos alimento

― Que bichinhos interessantes. O que são?
― Artêmias. São crustáceos primitivos.
― Por que comprou?
― Estou fazendo um patê para dar de alimento aos meus peixes. Elas entram na mistura por último, ainda vivas.
― Você não sente pena ao matá-las só para que sirvam de alimento?
― E você acha que todos morremos para alguma outra coisa?

quinta-feira, 2 de junho de 2011

O futuro

(…)
― É engraçado a gente pensar isso de nascer, viver e morrer, né?
― Como assim?
― Bem, é no mínimo curioso que nós existamos, razoavelmente conscientes do mundo, e não consigamos encontrar um porquê para tudo isso. É quase como se nós fôssemos "presenteados" com a oportunidade de pensar o mundo sob o preço de saber que um dia morreremos e perderemos essa consciência.
― Vejo esse período de "produtividade" como algo que fazemos para o futuro, e não consigo não pensar no George Orwell a esse respeito.
― Por que Orwell, especificamente?
― Porque ele escreveu 1984 pressuroso para concluir o romance antes da morte. Ele finalizou o texto ciente de que não viveria para ver as considerações a respeito dele que viriam nas semanas, anos e décadas seguintes à sua publicação. Da mesma forma, nós, que produzimos o que quer que seja, o fazemos em um determinado contexto, conscientes ou não de que seremos criticados e "superados" um dia. "Nós somos os mortos", como o próprio Orwell coloca nas palavras do herói, porque jamais chegaremos a ver tudo que será alicerçado ou associado ao que fazemos e pensamos.
― Então você acha que, no fundo, a gente existe para as gerações futuras?
― Sim. Como os helênicos ainda são discutidos mais de dois milênios após o seu apogeu, nós seremos discutidos, estudados e deixados para trás (no sentido  histórico, sendo inseridos num determinado contexto e lembrados como referências "a serem pensadas"). Devido às mudanças do ponto de vista epistemológico, o que se faz e fala num determinado período tem potencialmente infinitas interpretações futuras. As conseqüências do que produzimos possuem uma ínfima fração dentro do nosso próprio período de vida. Somos, em essência, futuros seres históricos.